23 de julho de 2012

CAIS


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A praça Paris é um breu. À noite ela não passa de um recorte escuro na paisagem.  Há vultos que correm e eu me detenho neles. Correm como se houvesse sol. Acabo de sair dos contos de Tchekhov. Fragmentos que se ligam a mim de um modo, uma forma muito forte.Um modo/ uma forma/ um modo/ uma forma/ um modo/ uma forma.Formas que comunicam. Era belo ouvir falarem de uma terra tão distante e tão próxima. Poesia solúvel na luz que guiava a ausência do avô do menino, cujo sonho era ter um cavalo. E me vejo em tantas frases soltas. Eu que ando em busca dos meus pedaços. Ando pisando neles. Alguns cacos de vidro, outros brasa, uns mais fofos, doces, quase espumosos. Espuma de onda na areia. Neste instante faço da escrita minha ação no mundo. Este que é tão sonoro quanto o burburinho do silêncio no bar que me acolhe. Escolho meu personagem de hoje. Visto renda impregnada de cores no preto e branco da noite. Gosto de imaginar que de mim partem selos. Hoje uma amiga me disse "você precisa viver isso". Se referia a minha alegria furtiva de ter na pedra encontrado sorrisos. Gargalhadas leves e dois olhos, assim como os meus, que a terra há de comer um dia. "Viver isso", ela disse. "Na escrita de uma só língua", eu completei. Ou, talvez fosse melhor, na escrita de um só passo, porque o caminhar também gera poesia. Vejo distante outro que também escreve na solidão da rua abarrotada de uma quarta-feira. Hoje fiquei feliz em compartilhar a felicidade daquela que laboriou os contos russos do escritor da alma. Um labor de palavra a palavra caminhando nos orgãos dos atores sobre o palco. Um viva a Marcela Andrade e seu filho "S." E pensando no "viver isso", me pergunto, o que mais ando deixando escapar entre os dentes? Lembrando do sonho da noite passada, agora decido encontrar onde dorme o lastro dos navios. Aquele lugar que me fala da alma. Possibilidades de dialogar com a falta. Se escrever é também minha sina, por qual caminho me guio? Solista palavresca contínua, eu construo dos restos um barco prestes a se soltar do cais que Milton já inventou pra mim. "Para quem quer se soltar invento o cais/ Invento mais que a solidão me dá/ Invento lua nova a clarear /Invento o amor e sei a dor de me lançar/ Eu queria ser feliz/ Invento o mar/ Invento em mim o sonhador.."

6 de julho de 2012

MENINA PLANTA

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Sempre verde, se imaginava, de tempos em tempos, como planta. Através de sinais do externo fotossintetizava sutis arrepios espasmáticos. Vez ou outra, num silêncio de folhas secas, pousava-lhe um pássaro e iam num tagarelar de diálogos tontos, incompreensíveis aos humanos não-verdes. O que era de se esperar de uma menina planta? Sorriso cor-de-jambo, pés raízes de Fícus sp., olhos de amêndoas e um tremendo querer de sugar o sol a todo o momento. Menina planta, circunscrita em toda a forma de agir, ela divaga entre o que é pleno e lúcido e o que lhe reserva a vida. Destino seria isto? Na noite enluarada, longe de casa, perguntaram-lhe se acreditava em destino. Mentiu que não, embora no mesmo instante o visse acontecendo. O desejo de destino tecendo o céu negro sobre a pedra com a música festejando.