13 de fevereiro de 2014

O verde da janela

 Enquanto olhava para a janela e via um ser aberto, aberto com a luz do fim de tarde a iluminá-lo, pensava: que sorte, que sorte a minha. Caía a noite e, apenas pela lembrança da imagem, continuava a agradecer por tal achado. Foi que, certo dia, amanheceu e percebi: o trevo, que eu achava ser de quatro, tinha, como a maioria dos plantados, apenas três folhas. Restou-me, então, fazer um quadro. Hoje, pendurado na sala à luz da janela aberta - esta sim aberta em sua concretude - o quadro, mesmo de um trevo ordinário, é belo. Anda um pouco amarelado, há certo tempo já é passado, mas emoldura aquele instante fugaz de felicidade declarada. Que sorte. Que sorte a minha.


12 de fevereiro de 2014

COBRE
ROSA
RUBRO
BEJE
COR
SILÊNCIO
RUBRO
SILÊNCIO
NÃO
SILÊNCIO
SIM
SILÊNCIO
CORAÇÃO
SILÊNCIO
SIM
SILÊNCIO
TUM-TUM-TUM
SILÊNCIO
SIM
SILÊNCIO

BOCAS

SILÊNCIO


E

S
I
L
E
N
C
I
O
ENQUANTO POSSO.




11/05/08
 

VÊNUS


Sem me importar em entoar canções fora do tempo
nem temer algum desapontamento
fiz da vontade sopro
despida do casulo imaginário
enviando mensagens coronárias
a fim de derrubar temores
realidade no lugar da cena
beijei-te a boca como quem toca purpurina no ar
e teu rosto de espanto me fez mais Vênus.




11/05/08
 

24 de novembro de 2012

ECO-LORIDO

Corpo ecoa cor quando, feito sol, se põe num outro corpo ecoa cor quando, feito sol, se põe num outro corpo ecoa cor quando, feito sol, se põe num outro corpo (ad infinitum).

9 de novembro de 2012

SOLIDÃO

Quando esperamos que algo nos aconteça, já não estamos mais sós.

A solidão demanda um desprendimento do futuro, mesmo que iminente,
como o da onda que na praia me lambeu a canga.

martim de sá{ligiaprotti}

12 de outubro de 2012

Eterna homenagem ao Gabriel Labanca.


Não tenho uma foto com ele pra postar, ficou tudo gravado no corpo, no coração. Há dois meses, no dia do nosso reencontro após tantos anos, curiosamente achamos graça tirar uma foto com o flyer da festa nas mãos e, numa provocação ao fotógrafo, negamos aquele instante de flash cegando-nos os olhos. Eternizávamos o momento apenas na memória. O reencontro ficava marcado na lembrança que é eterna. 

A partir de então, ríamos muito juntos, gargalhávamos, que é a melhor coisa da vida.  Este foi um dos maiores aprendizados com ele que é, sem dúvida, um dos maiores bufões de todos os tempos. Dizia isso a ele, que era um bufão repleto de amor. Dono de um senso crítico apuradíssimo, refinado, uma forma particular de ver o mundo, de ver a vida transbordando humor através daquele par de olhos crocantes, ele se alimentava de partilhar isso com o próximo. Ríamos dos mesmos devaneios e compartilhávamos palavras sobre a história do teatro, a chuva, a escrita do Lima Barreto, as melodias do Dorival Caymmi e até sobre o Flamengo, invencível timão do peito. Dizia que um dia ainda me explicaria como o fenômeno de um estádio lotado debaixo de chuva era algo interessantíssimo do ponto de vista antropológico. E eu ria com o meu coração. "My Funny Valentine" na voz do Chet Baker foi feita pra ele. Publiquei no meu perfil pra ele, ele sabia. Escreveu "sabiiiia!" quando viu. Sabia que me fazia sorrir com o meu coração. Aprendia com ele como quem segue um mestre zen daqueles que ensinam por koans, que são respostas enigmáticas altamente ilógicas e desconcertantes que não podem ser solucionadas intelectualmente. Porque Gabriel Labanca sempre falava além do que imaginávamos.

Naquela noite nos encontraríamos. Muito melhor do que cinema (como a eterna inventiva mídia publica), compartilharíamos as imensidões de nossas almas, internas e externas. Nos olharíamos nos olhos, isso já bastava. Mas, como ele não poderia demorar muito, achamos melhor deixarmos o encontro para sexta-feira. Algo o esperava, parece até que sabia. Antes de suas últimas postagens no facebook, voltando da Estácio, me enviou um torpedo dizendo que naquele momento passava de carro pelo Engenhão torcendo pra que o jogo do Fla não começasse ainda e que ouvia uma música da Marisa no rádio. Perguntei o nome da música, mas ele não sabia e apenas me disse o refrão: "quero que você seja feliz...". Isso ficou gravado em mim. Era também o que eu mais desejava e desejo a ele. Ainda na terça-feira, conversávamos ao som da chuva virtual que havia publicado no seu perfil, e ele me disse: "Deitar no chão gelado de cimento queimado da varanda de casa de praia com um travesseiro de fronha velha e ficar lendo um gibi enquanto a chuva cai". E eu completei: "com aquele cheiro de terra molhada no ar, sem hora pra nada, e depois pegar no sono".

É assim que te imagino agora, Gabriel: bem bonito voltando a ser criança nesse chão de cimento queimado na casa de praia com "ondas, sol e vento", a fronha velha sustentando tua cuca de ouro e a pilha de gibis ao teu lado enquanto dorme pra renascer dourado por aí, brincando de fazer rir até os mais desavisados. Teus olhos crocantes daquela manhã da foto iluminada pela janela, teu cheiro de muco de Wolverine ainda impregnado em mim, teu coração abarrotado de amor e de graça, o sorriso dos dentes levemente separados, teus pés macios dos quais me lembro tão bem, tua alma doce e esfumaçada de bufão pueril enriquecendo esse mundo que te abraça eternamente. Presentes infindáveis.

Envio o meu beijo nos teus pelos das costas. Recebo o teu nas minhas perebinhas. Sei que vai rir disso. Amei-te, menino. Afinal, como te disse aquele dia com as palavras da Clarice, "é quase impossível evitar o excesso de amor que o bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo". Muito amor por você. Gratidão pelo maravilhoso encontro depois de tantos anos. Sorrirei sempre ao lembrar de você. Darei uma  "gargalhada gostosa", como dizia que eu tinha. Te amo.

Que você viva em todos nós.

23 de julho de 2012

CAIS


{ligiaprotti}
A praça Paris é um breu. À noite ela não passa de um recorte escuro na paisagem.  Há vultos que correm e eu me detenho neles. Correm como se houvesse sol. Acabo de sair dos contos de Tchekhov. Fragmentos que se ligam a mim de um modo, uma forma muito forte.Um modo/ uma forma/ um modo/ uma forma/ um modo/ uma forma.Formas que comunicam. Era belo ouvir falarem de uma terra tão distante e tão próxima. Poesia solúvel na luz que guiava a ausência do avô do menino, cujo sonho era ter um cavalo. E me vejo em tantas frases soltas. Eu que ando em busca dos meus pedaços. Ando pisando neles. Alguns cacos de vidro, outros brasa, uns mais fofos, doces, quase espumosos. Espuma de onda na areia. Neste instante faço da escrita minha ação no mundo. Este que é tão sonoro quanto o burburinho do silêncio no bar que me acolhe. Escolho meu personagem de hoje. Visto renda impregnada de cores no preto e branco da noite. Gosto de imaginar que de mim partem selos. Hoje uma amiga me disse "você precisa viver isso". Se referia a minha alegria furtiva de ter na pedra encontrado sorrisos. Gargalhadas leves e dois olhos, assim como os meus, que a terra há de comer um dia. "Viver isso", ela disse. "Na escrita de uma só língua", eu completei. Ou, talvez fosse melhor, na escrita de um só passo, porque o caminhar também gera poesia. Vejo distante outro que também escreve na solidão da rua abarrotada de uma quarta-feira. Hoje fiquei feliz em compartilhar a felicidade daquela que laboriou os contos russos do escritor da alma. Um labor de palavra a palavra caminhando nos orgãos dos atores sobre o palco. Um viva a Marcela Andrade e seu filho "S." E pensando no "viver isso", me pergunto, o que mais ando deixando escapar entre os dentes? Lembrando do sonho da noite passada, agora decido encontrar onde dorme o lastro dos navios. Aquele lugar que me fala da alma. Possibilidades de dialogar com a falta. Se escrever é também minha sina, por qual caminho me guio? Solista palavresca contínua, eu construo dos restos um barco prestes a se soltar do cais que Milton já inventou pra mim. "Para quem quer se soltar invento o cais/ Invento mais que a solidão me dá/ Invento lua nova a clarear /Invento o amor e sei a dor de me lançar/ Eu queria ser feliz/ Invento o mar/ Invento em mim o sonhador.."

6 de julho de 2012

MENINA PLANTA

{ligiaprotti}

Sempre verde, se imaginava, de tempos em tempos, como planta. Através de sinais do externo fotossintetizava sutis arrepios espasmáticos. Vez ou outra, num silêncio de folhas secas, pousava-lhe um pássaro e iam num tagarelar de diálogos tontos, incompreensíveis aos humanos não-verdes. O que era de se esperar de uma menina planta? Sorriso cor-de-jambo, pés raízes de Fícus sp., olhos de amêndoas e um tremendo querer de sugar o sol a todo o momento. Menina planta, circunscrita em toda a forma de agir, ela divaga entre o que é pleno e lúcido e o que lhe reserva a vida. Destino seria isto? Na noite enluarada, longe de casa, perguntaram-lhe se acreditava em destino. Mentiu que não, embora no mesmo instante o visse acontecendo. O desejo de destino tecendo o céu negro sobre a pedra com a música festejando.

27 de junho de 2012

deseosdeseosdeseios acesos

deseosdeseios {ligiaprotti}
dei pra pensar na etereidade do desejo
no encontro do flerte
dei pra pensar que é da ordem do áereo
corpos num vibrátil intenso
espocando faíscas
há algo de escuro
escuridão reveladora
daquelas como no mar de jericoacoara
pedaços de estrelas percorrendo a pele
iluminando zonas quebrando ondas
semeando poros
ir e vir dos olhos
pêlos
hálitos
ancas
dentes
sebos 
interno ressoando
intenso semeando

e decerto anda tão perto que a qualquer estalo sinto os ventos do céu dançarem entre minhas pernas.

19 de junho de 2012

EXERCÍCIOS DE INVISIBILIDADE

{ligiaprotti}
Hoje permiti que o desejo caminhasse através de mim. Dava passos leves de modo que senti a pele no pontiagudo dos dentes. Vivendo a clareza na incomunicabilidade -citando aquela do cigarro sempre nos dedos- pousamos para o pátio sob o céu berinjela. Éramos pedras soltas daquelas paredes, tradições díspares, filhos de décadas distintas mar a dentro na atmosfera da noite de verão jasminada -citando o vampiro daquele que canta e compõe - embora fosse outono.  Florescíamos sorrisos ensaiando exercícios de invisibilidade onde não pudéssemos ser vistos juntos, embora a dois, lado a lado, perfilados. Emoldurando a existência finita de afetos que desde há pouco destila visões de uma mesma paisagem, atrás de nós, a janela. Regorgitando símbolos flutuantes como os barcos que no fogo pairam antes de sucumbirem ao tempo único no instantâneo de um só corpo - cinética altíssima, quase gasoso - instante que agora me escapa, éramos olhar escuta silêncio. Breves feito vento.

18 de junho de 2012

ESTADO DE SER

patrimônio da penha {ligiaprotti}
O que acontece comigo agora é doce
belo como se fosse uma festa de aniversário
talvez a sensação de quando um filho nasce
- só saberei quando for a hora-
é uma conquista
há tempos espero por isso
é uma passagem e deve ser comemorada como tal

Hoje percebi que o que envelhece é o corpo
e não o espírito
se engana quem pensa o contrário
é preciso estar atento
só assim é possível caminhar de bicicleta pelo deserto.


11/08/12

11 de junho de 2012

Série L's

Série de desenhos fruto de criação coletiva entre eu e meu irmão, Lucas Protti, em 2010.
Série L's { ligia e lucas protti}

Série L's

série l's / a velhaca peladona {ligia e lucas protti}

série l's / o som da felicidade {ligia e lucas protti}
série l's/  a ambivalência sentimental por toda a terra {ligia e lucas protti}

série l's/ a fêmea moderna {ligia e lucas protti}

2 de abril de 2012

modo a mar



meu instante de espera
caneta pintando o céu
meus pulmões alargados
de tanto mar
tanto amar
a escrita no ar me preenche
o vazio
talvez sempre
de novo
o tango
piazzolla me invade
invade
avança
quebra
despedaça
destrói
arranca
pelas ancas
me lembra
do mar
do mar
do mar
me faz dançar ambição do mar
não de outro modo
daquele que só sabe a mar.

31 de março de 2012

Desejo aos 21

Varal de poesias. IC II-UFES, 2004
Varal de poesias. IC II-UFES, 2004

O sumo por Neide Archanjo

Varal de poesias. IC II-UFES, 2004

Carta-poema pinçada no ar

Varal de poesias. IC II-UFES, 2004

Ando tardia

Varal de poesias. IC II- UFES, 2004


28 de março de 2012

Homenagem tardia ao instante da beira mar {no trânsito da manhã de uma terça-feira}



martins de sá {ligia protti}

"Fonte de vida, a origem
da energia se formando:
linha d'água.

O desejo, hierarquia
de dual sensualidade:
linha d'água.

Do papel o outro nome
a imprimir nossas palavras:
linha d'água.

Leia-se mapa interior
do corpo, carta de magma,
onde se lê linha d'água."

                          Olga Savary

23 de março de 2012

Toda ouvidos

Ideias tardias às vezes me assaltam o pensamento. Chegam portando um outro tempo que o instante não é. Pensamentos de um outro tempo. Colocações de um presente corrido, palavras que não voltam mais. Há que se ter coragem de seguir adiante. Andante, aprendiz de rumos incertos em busca do presente, sempre. Trago um pingente no peito para me lembrar do silêncio. Atento silêncio constituinte da palavra primeva, primordial, vinda daquele que é inominável. Daqui em diante espero ouvi-lo nascendo em mim.

14 de março de 2012

Mensagem cifrada na palha do cigarro que a boca flagra

Subitamente um tanto quanto som
há quando tempo não te via
-palavras soltas como mera desculpa-
teria ficado muda 
talvez nua

quem carrega água no corpo
tem desejo 
da terra
dos olhos
cegos de tanto mar

éramos dois duplos
descendo ao encontro de tontos lampejos
-na hora diria desejos-
cantando rubricas silenciosas de um novo texto

entre meias verdades
os nomes de batismo
impregnados de fonemas incertos
 lóbulos cheios de vertigem
regados pelos dentes
que ainda me assaltam as coxas

enquanto sigo pela estreiteza do corredor enfumaçado de mato.

17 de fevereiro de 2012

Gosto de passar o dia devagar, tranquilidade, ouvindo música. Se houver um chão pra me esticar e um céu estrelado, ainda melhor. Preciso de pouco para a felicidade. Tranquilidade me deixa feliz. A música, o corpo são, mente sã. Nada mais é preciso. Âmbar dos meus olhos pelo mundo. Sonho, todo dia.

14 de fevereiro de 2012

{ligiaprotti}
Hoje lembrei-me de quando caçava grilos na grama
 andava pelo campo verde 
e meus pés suspendiam
 os pequenos insetos saltitantes
 lembrei-me de tê-los nas mãos
 era criança de verde sob os pés

eletrocardiograma


Ela olhava para ele. Olhava para ele com os olhos bem abertos na medida do possível para não ficar feia. Fitava-o a fim de dissecá-lo, soprar a pele por trás dos pelos.Olhava pra ele e esperava a caça ou ao menos uma palavra. Nada. Duas horas de calor e nada. Antes fosse porque estivesse amarrado. Ela também estava e nem por isso temia. Mas na posição de fêmea encarnada seria dele a primeira mordida. Aquela que não houve,ninguém ouviu, não havia. O calor era apenas por conta da umidade excessiva. Ou seria de veia-pulso-tensão-coração? Tesão era o que ela espreitava. Precisava para não desfalecer de tamanho querer, na solidão da casa, ouvir Piazzola desritmado.

Duplo humano

Naquele instante dois seres humanos se olham, macho e fêmea, instintivamente racionais. Se há silêncio, hiato no peito, ouve-se o ronco emergindo da base sacral ao ápice do crânio e, durante a breve decoupage dos segundos, ambos se inserem num tom de cor que já não há.
{ligiaprotti}

21 de novembro de 2011

máxima da alegria

vida {ligiaprotti}
Encontrar tudo o que se é
e não querer ser outra coisa.

23 de março de 2011

O Cerne Místico dos Trilhos

A noite terminou com Beatles na estação do trem. Era a minha primeira vez sobre o trilho até o centro do Brasil. De costas viradas para as portas, uma manada invadia a cada parada aquele longo rabo de sardinha coroado de lixo atômico. Quando a gente olha de rabo de olho, parece que o mundo todo balança. O vermelho desbotado dos parques de diversão que não existem mais, a infância perigosa nos bancos do trem e a sensação do leve descarrilar a cada giro dos pinos. Ainda há casais, loiras de salto, um homem negro de coturnos lendo uma revista sobre aeronaves. Enquanto isso, eu espero a Central. E que ela me chame, pois das estações que se seguem nesse instante não sei nem o cheiro. De repente, eis que surge um homem que grita. Grita. E repetidamente. Insiste na promoção do verão por dois e cinqüenta. Duas barras de chocolate a dois reais e cinqüenta centavos. Vasculho o cobre que me restou do mercadão, brasões de outro tempo, e na ânsia pela doce pasta branca recuso a oferenda a favor de uma moral. A viagem me rendeu esse escrito, mas o enjôo deve vir com a rotina. Àqueles que tentam o sonho, de talvez noites passadas em claro, o chacoalhar do ferro faz companhia. Ainda é dia segundo as lâmpadas enjauladas. No instante em que o negro de coturnos responde ao telefone "oi, meu amor", parece estarmos sendo metralhados. Passa no trilho ao lado uma mesma invenção. Destinos diferentes se cruzam enquanto o menino de blusa azul devora um pacote de biscoitos. Passa outro vendedor e este traz amendoim doce, pipoca e cansaço. Mais da metade das pessoas se levanta ainda com o peso do almoço adiado: é a estação do país que se aproxima. Alceu Valença toca a invenção do mundo nos imensos corredores, meu olhar vagabundo de cachorro vadio olhava a pintada e ela estava no cio. É disto que isso tudo é feito. De arrepios, perco o metrô tentando entender onde estou e para onde vou e relaxadamente solta num banco branco espero o próximo carro, que demora um bocado no calor do subsolo. Calor da quase meia-noite. Sou eu com minhas despedidas sem mais delongas, porque intimidade é pra poucos, se não o que mais me resta? Disfarço a demora coçando uma ferida na cabeça e, pela primeira vez desde a madrugada, sinto o peso do corpo, aceso desde quando era noite. Agora toca um clássico por mim indecifrável, mas acalma os ouvidos. O som e a carne suada com pés que latejam. E lá vem ele de novo, barulhento, e sem nenhum comando minhas pernas o seguem até o assento. O assento verde. O vermelho é dos quase antigos. Por um instante me vejo refletida naquilo que os homens fazem a partir da areia. Ou seria um feito daquele cuja letra "a" tem seu nome?

17 de outubro de 2009

A CONCHA E O BREU

{ligiaprotti}
Breu imenso. Algo acontece. Há dias a maré não se move e os poliquetos realmente já haviam reclamado sobre a presença de partículas estranhas em seus pequeninos e frágeis tubos. Eu, solitária, o que é de meu destino, permaneço na minha lida de agarrar-me à areia e daqui tirar o alimento. No entanto, isso que sugo não mais adentra a minha boca normalmente, como antes de tudo ficar escuro, de repente. A areia parece estar agregada a algo mais, tamanha a sua viscosidade...E é em vão que tento me arrastar pela superfície submersa, afinal sinto que aos poucos meus pés prendem-se aos grãos de quartzo, ficando cada vez mais espessos. Assim, vou emudecendo meus movimentos...E esse breu na água que não passa...Há pouco vi passar ligeiro o cardume de xeréus por sobre a minha concha, pois o brilho de suas escamas reluziu a pouca luz do sol que ainda consegue penetrar onde o escuro agora habita. Será para sempre? A forma cônica do céu que se espraiava por sobre a água...talvez nunca mais o veja. Ah, o brilho da lua cheia, inundando a límpida forma líquida. Agora guardo-o somente dentro de mim, onde minha carne apodrece lentamente. Aqui, sob o mar, é tempo de jardins negros. A morte me é próxima e sinto-a, ao mesmo tempo, longa e breve. Parto, e ao mar, antes lugar de tanta vida, deixo minha casca, pobre concha rósea madriperolada.

O SER VÁRIO


daniel com o sol na garganta {ligiaprotti}
Porque gosto das sombras que se formam ao fundo do palco. Sombras de seres de carne e osso, ilustrando o ser vário. Porque gosto do trabalho que incentive a mente à reflexão, de toda forma de viver inconsciente que o ser humano criou. O teatro que conduza à reflexão nos mais recônditos espaços do corpo humano.

11 de setembro de 2009

STANISLAVSKIANA

Construo um arquivo de sentimentos e nele insiro algumas imagens, pessoas que me vêm à mente, memórias, alguém com quem certa vez você dividiu um cachorro quente. Carrego sempre uma luneta e observo as pessoas a cada gesto impensado pelas ruas da cidade.

O GRANDE CIRCO ÍNFIMO

Ínfimo. Aquilo que é diminuto, quase sem importância, salta-nos à face e me encontro naquela estrada de terra, agora esquecida. Personagens de um tempo com sol dialogam com as razôes de ser e estar no hoje. Ideologia vendida ou contra-mão? Não responda, por favor. Basta de balde água fria. Coração partido, circo humano. É disso que fala o Grande Circo Ínfimo: “com a fome do palhaço e a bailarina louca”, como já dizia Milton Nascimento. Pedaços, fragmentos do sonho, que se reencontram, mas não conseguem formar o círculo-circo-lona, como espiral contínua, novamente.
Rumos dispersos, através do violino dissonante, e o poema final traz-nos à tona. Ânsia pungente do sentido para o existir no mundo.

FRUTO TEATRAL

Corpo desmontado, descondicionado, cabeça e cauda, uma sabendo da existência da outra. "-É mais isso, e menos isso..sabe?" Pé derretidos no chão feito gelatina. Aprendi a pensar em ser esponja, de consciência e corpo poroso, coisa que antes nem sequer imaginava como forma de existência possível. Esponja que se enche de água e depois espreme, e volta a encher... A boca do Michel fazendo o som da água sendo sugada...aahhh....Os sons que a boca do Michel emite inundam os espaços.O tempo todo a boca emitindo sons, dando um elemento a mais às ações. Os fortes sopros de ar dando a indicação de descarrego: "-Tu abre a primeira vértebra, e ahhh..." E nós, construindo a rede, nós, feito cacho de uva, amadurecendo a cada alongamento, cada gama de movimento, quedas repentinas.

Aprendi que a possibilidade de existir, surgir, tá no erro. Experimentar é a regra. E hoje, após tantos dias, prazerosamente coagidos à des-regrar, brincamos no tempo de quatro luas crescentes de uma mesma sonoridade. Brindamos também por termos nos conhecido, por termos tido o prazer das ricas aulas, o valioso contato comsonoridades outras. Eu sou um, que sou você, que posso ser ele, que vou sendo. A cada tempo. Muito obrigada a todas as uvas do cacho, e principalmente ao Michel.

O JOGO DAS CONTAS DE VIDRO

la luna de lorca {ligiaprotti}
Talvez porque eu quisesse de fato fugir, afinal as cores que lhe saltavam das oculares não eram as mesmas do meu dia-a-dia. E, o desconhecido amedronta, ao mesmo tempo que convoca. Se, de repente eu entrasse no seu mundo, voltar não mais seria exato. O jogo das contas de vidro, a cama sempre pronta, pro dia e pra noite.

COTIDIANO

Quando os ônibus param, um ao lado do outro, temos a mesma realidade, porém como espelho.

NIRVANA

O teatro é um meio de auto-conhecimento pelo exterior, como se olhássemos pela fechadura do mundo. O teatro é mentira o tempo todo.

20 de novembro de 2008

19 de novembro de 2008

/JE (T') AIME/

Compartilhar Dominique A. e a onipresença da fumaça que sai do incenso e se espraia por entre meus dedos. Pra te observar, me observando, perguntando, sem som, sobre os caminhos de dentro. Dois anjos e uma cama redonda. Pra te contar que na primeira transa vesti a roupa do dia do boicote ao prazer próprio. Puro prazer do contragosto. Boicote louco, com o qual, cada vez mais consigo dialogar, a fim de que vaze pra fora do inconsciente e, assim, eu vá longe, entretanto no mesmo lugar.

18 de novembro de 2008

"é o astronauta da saudade com a boca toda vermelha...lágrimas negras, caem, saem, doem...."



ao meu amor dos olhos além linha do horizonte
boca rubra feito sangue
e corpo fervente

15 de novembro de 2008

CASTA

rom {ligia protti}
Se um dia faltarem-me os homens
me deliciarei com os gatos
aquilo que rossa
apronta
me unha
lambe
e rasga o que não presta da minha poesia já gasta

Senhores de outro tempo
Imperadores agora rosnando por afago
terei-os por toda a casa
enquanto eu
gata.

20 de outubro de 2008

COME-MOREMOS

"eM ciMA do gUarDa-chUva TeM a cHuvA, que tEm goTAs tãO liNdAs Que aTé dá vOntAde dE cOmÊ-laS..."

ENSAIO DOS BARCOS

Talvez porque fosse tudo muito novo e não te conhecesse bem, portanto não havia temor. Talvez pela falta de sentimento suficiente, ou melhor, talvez porque esse nascesse naquele exato momento e como sol poente, inversamente, o surgir da luz embriagava as pupilas."Sees the sun going down.." já diziam os Beatles.

Talvez por isso tudo tenha dito, a fim de que a frieza não me tomasse as mãos, cabelos, corpo inteiro.

Se compreendo? É óbvio, compreendo. Só preciso de tempo pra sentir.

15 de outubro de 2008

GERINGONÇA

É claro que é cedo,
aliás, por isso mesmo é claro
sol nascendo e indo embora ao mesmo tempo

- a mim também ofusca-

porém, de duas, uma:
a queima do livro,
ou a re-invenção do acaso

so fucking démodé, admito
carrego vermelho nas flores por detrás dos cílios.

12 de outubro de 2008

À METRÓPOLE

avenida paulista {ligia protti} 

São Paulo traz uma sensação de imensidão inacabada, como grão de areia nas praias. É mais um com todos à volta. One more. Bicos arrepiados na ida ao teatro, as pessoas trajando preto, ausência de colores. A conversa com o professor que fedia a cigarro fez a fumaça me invadir as narinas e entortar os pêlos dos faceiros buracos. Dois gays sentados, conversando. Belos, belos. Casais aconchegados em all star, jeans e casacos en-lã-çados. Sampa. Toda sua. Imensidão de sentidos, por vezes vindos de destroços plutônicos. Aponto para os bucólicos desenhos por entre as basálticas rochas da Paulista e dalí mesmo procuro o vulcão.

Um viva à cidade que não dorme.

A FAMÍLIA

Ela se arruma para ir à igreja, cobre-se das melhores vestes. Triângulo, abaixo o quadrado, e objetivamente esse é o modo de se vestir do marido. A filha, de mediana data natalina, os acompanha babando os longos cabelos que cacheiam o estrondo do salto. Mas, alto lá, pois chove e sobre suas cabeças dois negros guarda-chuvas se movem, um sobre o casal e outro acompanhando a filha. É de seda ornada com pinduricalhos e rendas, a culpa cristã.O pai geométrico que o diga. Há tempos não se lembra do que é ser pipa, e farto está do cotidiano, que a cada coxia velada, insere os anos em seus dias de vida: essa mesma brevidade que ainda é gasta, todos os domingos, na ida ao confessionário.

9 de outubro de 2008

INSÔNIA ou O DIÁLOGO DOS PALITOS DE FÓSFOROS

auto-retrato {ligia protti}

-...

(pausa longa)

-Tá tudo bem?

- Ah sim, obrigada por perguntar..(uma longa inspiração) Tudo bem, sim, tive um dia cansativo e engraçado. De longe, parecia enxergar roseiras no campo.. (canta) "não mão direita tem uma roseira, autenticando eterna primavera.." sabe?! E agora crio um diálogo solitário. Ok, ok, chove lá fora..talvez seja por isso. É...seu silêncio...não pedi por isso. Acho que vou-me. Já basta. E o som da água tarda a passar. Isso me agrada, todos sabem....Rio. Rio e choro...Dia de esvaziar canais.

-Beijos

-Beijos

OLHARES

{ligiaprotti}

22 de setembro de 2008

Indecisão. Mal do século. Ideologia sem patas. Nua, mas de colarinho branco. Jamais diria tudo o que penso, até porque a crítica exige um conhecimento prévio. Há loucuras esparsas entre meus pensamentos, o que já os tornam out of padrão de consumo, new order.

Assumo o risco durante o expandir das gotículas de saliva.

30 de agosto de 2008

O QUERERES

{ligiaprotti}
Caetano me ascende
incensos de lótus azuladas
e pela madrugada
faço amor com samba,
dispenso censuras
e me permito lugares ainda não habitados.

"Sim, ou não?" Lançaram-me.
Noite de encontros corpóreos com o acaso, embora de certo premeditados.
Sorri apenas, pois tortos são os quereres.

ANTES DE TUDO

Quando ainda era concha
polpei palavras por medo do que pudessem parecer:
cata-ventos.

Agora a música gira e o elemento dionisíaco embriaga.

Ainda não havia aprendido a dizer, por isso carregava cata-ventos no sexo.

27 de agosto de 2008

BoCa,
palavra DESvirginada,
EXPLORAdorA
vErTigem:
minha boca e o mundo.
Fiz da madrugada, descoberta espelho, silêncio, Mil tons soando internamente vermelho cereja apenas fruta que volta a tornar-se madura flor exalando cheiros, temperos de mil e uma noites negando gratuitos prazeres , querendo a nudez bacante após versos de Dante sonhei, sonhei, no céu estrelas bandeiras pra me guiar, quatro luas e bocas líricas.

10 de agosto de 2008

dos corpos nus

trânsito
transito
transi
trans
tran
ta

24 de julho de 2008

"Sempre soube que nada encontraria aqui" - pensou ele. Mas sempre procurou. Por que? Porque queria encontrar. E a todos aqueles que podia, questionava sobre qual sentido estes, que por um acaso do destino, cruzavam a sua vida, se apoiavam para todas manhãs acordar e vestir os sapatos, vagando de nada para nada com copos de café. Queria algo que lhe viesse em resposta nos ouvidos. Como um sopro, como aquela vez em Saquarema quando a maresia batendo em seu rosto sussurrou a fagulha deste incêndio particular. O sentido talvez pudesse ser seu também, o sentido do outro, mesmo sabendo que era um assunto único, e que se existisse um Deus, esse o havia escondido muito bem para que não fosse fácil encontrar.


Então aquietou-se, porque talvez esta resposta lhe custasse a vida, e a vida em si já bastava.

Adormeceu sobre a ausência dos próprios sentidos.






by Lucas Protti

3 de junho de 2008

SOMBREIRO


{ligiaprotti}
Cabe a mim admitir a vida própria do meu não tão -ainda- conhecido inconsciente. Belíssima atuação, se analiso a autenticidade, o não medo, coragem, e o modo amoral como atua.
Primeiro, se mostra no sonho e, depois , ainda não satisfeito, surge nas palavras trocadas, embaralhadas. Ao primeiro sinal pode-se pensar que estou confusa, mas é apenas o vir à tona do que em mim, no mais interno e ofuscado pelas sombras, há. Pensamento negado, aquilo que escondemos atrás das roupas que menos usamos, dentro de gavetas já emperradas.
Escuto-o, reflito, mastigo, falo, grito. Não há porque temê-lo, pois que é lavra, nascente, precisa escoar, afinal, represado, desbaratina. Como se fosse impensado, já que é sempre domado, se faz presente inesperadamente. E, de fato, presente é, se souber identificá-lo.


No lugar do teu nome houve outro
porque fervilhava o episódio pouco antes ocorrido
nada além disso
houve grito
- o compartilhar alivia-
era preciso que soubesse
eu apenas, ainda, não sabia

agora sim, dialogo
com ele, com tú
em mim
conosco
ouço-me e sou ouvida.