17 de outubro de 2009

A CONCHA E O BREU

{ligiaprotti}
Breu imenso. Algo acontece. Há dias a maré não se move e os poliquetos realmente já haviam reclamado sobre a presença de partículas estranhas em seus pequeninos e frágeis tubos. Eu, solitária, o que é de meu destino, permaneço na minha lida de agarrar-me à areia e daqui tirar o alimento. No entanto, isso que sugo não mais adentra a minha boca normalmente, como antes de tudo ficar escuro, de repente. A areia parece estar agregada a algo mais, tamanha a sua viscosidade...E é em vão que tento me arrastar pela superfície submersa, afinal sinto que aos poucos meus pés prendem-se aos grãos de quartzo, ficando cada vez mais espessos. Assim, vou emudecendo meus movimentos...E esse breu na água que não passa...Há pouco vi passar ligeiro o cardume de xeréus por sobre a minha concha, pois o brilho de suas escamas reluziu a pouca luz do sol que ainda consegue penetrar onde o escuro agora habita. Será para sempre? A forma cônica do céu que se espraiava por sobre a água...talvez nunca mais o veja. Ah, o brilho da lua cheia, inundando a límpida forma líquida. Agora guardo-o somente dentro de mim, onde minha carne apodrece lentamente. Aqui, sob o mar, é tempo de jardins negros. A morte me é próxima e sinto-a, ao mesmo tempo, longa e breve. Parto, e ao mar, antes lugar de tanta vida, deixo minha casca, pobre concha rósea madriperolada.

Um comentário:

D disse...

puxa, admiro sua disciplina ... não acho que eu conseguiria manter 8 anos de nada anotado. Deve ser bacana poder contrastar o "agora" e o "antes", relembrar estórias e recontar cicatrizes desse jeito.

Não me admira a vivacidade destes fragmentos de sonho, acho que deve ser assim pra todos... Não acho que é a toa que o inconsciente regurgita essas imagens para a consciência.

Não conheço essa coleção, mas esse lado do Desconhecido é uma coisa que sinto falta em minha vida (apesar de admitir ter me jogado de forma imprudente sobre o assunto por um tempo). Sinto falta da possibilidade das coisas poderem ser algo mais que a soma de suas aparências ou da possibilidade de algumas coisas não serem explicadas(e consequentemente reduzidas) por longas cadeias de causa e efeito.

Com o passar dos anos, minha visão de mundo tem se tornado cada vez mais cientificista. É foda querer acreditar, mas encarar de tempos em tempos com a dimensão homérica de sua própria ingenuidade.

O que me fascina em Jung, além do rico simbolismo onírico, é a forma como ele integra a dimensão religiosa à psicologia. Como eu havia dito anteriormente, eu quero acreditar ... mas é foda.